Mais do que palavra da moda, a inclusão é uma necessidade para a sociedade brasileira. E não há inclusão social sem a correspondente inclusão escolar. Com olhares diversos e sempre atenta à realidade, a Rede Federal é protagonista nos debates e nas ações de inclusão escolar, com forte repercussão social.
Entre tantos protagonistas espalhados pelo país, o Instituto Federal de Goiás (IFG) destaca-se por uma ação inédita na Rede. Foi o primeiro – e até o momento – o único a criar um curso superior voltado para a população surda. O curso de Pedagogia Bilíngue – Letras/Libras forma educadores aptos a trabalhar com alunos surdos e ouvintes, atendendo a todos em sua primeira língua. E muitos desses educadores ou futuros educadores são, eles próprios, surdos.
É o caso da estudante surda Julyanne Grazielle Rocha Lima, 28 anos, aluna do 6º período do curso de Licenciatura em Pedagogia Bilíngue do IFG, ministrado no Câmpus Aparecida de Goiânia. Ela tem surdez profunda desde o nascimento, mas a mãe era intérprete de Libras e isso foi fundamental para o desenvolvimento da filha na escola.
Julyanne destaca que a formação de pedagogos bilíngues e sua presença nas escolas de educação infantil representa a verdadeira inclusão social da comunidade surda. Ela conta que quando começou a estudar, em Goiânia, não tinha intérprete na escola e que sofreu muito nas séries iniciais. Na segunda fase do ensino fundamental, mudou para uma escola que tinha intérprete, o que fez enorme diferença. “Eu comecei a ficar feliz porque era tudo visual, pra estudar era mais fácil”, lembra.
O primeiro vestibular de Julyanne foi para o curso de Letras-Libras, para o qual foi aprovada, mas ela não se identificou com o curso. Conversando com amigos, soube do curso de Pedagogia Bilíngue ofertado pelo IFG, fez o vestibular e passou novamente. “Eu fiquei feliz porque comecei uma faculdade que realmente me interessa”, diz.
Exemplo
Ela acredita que como pedagoga bilíngue, poderá ajudar outras crianças a não passar pelas dificuldades que ela precisou enfrentar: “Esse curso de Pedagogia Bilíngue tem me ensinado muito e eu tenho percebido o que é um profissional pedagogo, a importância dele para o surdo. Eu tenho aprendido a me preparar para ensinar esse surdo”.
Além da realização pessoal e da capacitação para a educação bilíngue, Julyanne fala da importância de as crianças surdas terem um modelo profissional para sua vida futura. Ela trabalha atualmente como assistente em um Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) e destaca a importância da presença de um profissional surdo junto às crianças. “No futuro, profissionais surdos e ouvintes vão conviver com crianças surdas e ouvintes. Aqui nesse curso a gente tem a oportunidade de perceber as diferentes culturas e nos preparar para ser esse futuro profissional”, explica.
Como estudante do IFG, Julyanne também tem esse modelo profissional, que é o professor surdo, Diego Leonardo Pereira Vaz. Ela cita, como ponto em comum com o professor Diego, o apoio que receberam da família, que Julyanne considera muito importante para o bom desempenho do surdo na escola. Ela teve o apoio da mãe e lembra que o professor Diego também teve esse apoio para chegar onde está.
A estudante comenta que os colegas que não recebem o mesmo amparo têm mais dificuldades com o bilinguismo: “a experiência com a língua portuguesa para o surdo é pequena, é difícil, é complexa. A interação com a família em Libras é pequena também. Eu tive essa interação na minha família, mas alguns colegas surdos não têm esse contato e não têm o aproveitamento que eu tive. O professor Diego, que também teve apoio familiar, já fez seu mestrado e está se preparado para fazer o doutorado”, diz.
Julyanne considera que a formação de professores bilíngues representa um grande impulso para a inclusão social da comunidade surda, por favorecer às crianças surdas o contato com as duas línguas – Libras e Português – desde as séries iniciais na escola: “Essa interação em relação às duas línguas é muito importante. Quando eu tenho dificuldade, eu peço apoio para o ouvinte e quando percebo que um ouvinte tem dificuldade na Libras, eu apoio. Essa é a verdadeira inclusão, essa troca entre surdos e ouvintes em relação às nossas línguas”.
Volta à escola transforma a vida de jovens e adultos
Num país desigual como o Brasil, o abismo a separar ricos e pobres é a metáfora perfeita. Essa desigualdade, que pode ser vista no cotidiano das cidades, obriga milhares de jovens a deixar a escola para ingressar prematuramente no mundo do trabalho. E trabalho precário, que nunca será sinônimo de oportunidade.
A Rede Federal acolhe esses jovens e também os que se tornaram adultos enfrentando essa mesma realidade. Brasil afora, os Institutos Federais ofertam cursos técnicos integrados ao ensino médio, na modalidade de educação de jovens e adultos (EJA). Neste ano comemoramos 15 anos da existência de cursos voltados para a Educação de Jovens e Adultos na Rede Federal (EJA/EPT).
A entrada desses trabalhadores-estudantes aproximou nossas instituições de realidades até então pouco vivenciadas e conhecidas. Quem volta à escola, recupera a autoestima, adquire conhecimentos e muda para sempre a sua vida.
No Instituto Federal de Goiás (IFG), os exemplos são abundantes. A Instituição iniciou a implantação da EJA em 2006, ainda como Cefet, consolidando-a em 2008. Atualmente, oferece 19 cursos voltados para os jovens e adultos e, nesses anos de acolhimento desse público acumulou histórias emocionantes, que enriquecem a sua própria história.
Uma delas já começou com sucesso e premiação. O estudante Paulo Henrique da Silva ainda não terminou o curso Técnico Integrado em Cozinha, ofertado no Câmpus Goiânia, mas está empregado e, em agosto, foi agraciado com o Prêmio Dólmã de Gastronomia, na categoria regional/Goiás.
Ele tem uma história afetiva com a culinária, iniciada em casa, ao ver sua mãe cozinhar. Com ela, conta, aprendeu muitas técnicas e, principalmente, a valorizar o que é de sua terra. No IFG, ele teve a oportunidade de retomar os estudos, conciliando com a área de seu interesse.
Paulo já é o subchefe do restaurante do Country Clube de Goiânia, mas não esqueceu o tempo de dificuldades financeiras, que restringia até o acesso a alimentos. Esse tempo, aliás, foi também de aprendizagem. “Na minha infância, só tínhamos o arroz e o feijão. E minha mãe fazia o uso da folha da batata-doce que estava no nosso quintal. Nos dias atuais, a gente usa a folha de batata-doce como uma panc e sabemos que era utilizada na cozinha indígena ancestral”, conta.
Doutorado na UnB
A EJA abre as portas para o mundo do trabalho digno e também para o mundo do conhecimento. O ex-aluno do IFG, Alessandro Macedo, fez parte da turma do curso Técnico em Serviços de Alimentação (atual Técnico em Cozinha) que entrou em 2009. Depois que concluiu o ensino médio, cursou Ciências Sociais, na Universidade Federal de Goiás (UFG), onde fez seu mestrado, e atualmente faz doutorado em Ciências Sociais na Universidade de Brasília (UnB).
Ele atribui a sua trajetória ao incentivo que recebeu no IFG. “Eu estava fora da educação formal há mais de 15 anos. Estava fazendo supletivo e soube do curso do IFG. Fui selecionado e passei a ter contato com a escola e seus profissionais. Isso me despertou e não parei mais”, disse.
Julíndia Oliveira Miniz é outra egressa do IFG que também fez opção pela continuidade dos estudos. Depois de concluir o curso de Manutenção e Suporte em Informática, ofertado no Câmpus Formosa, ela graduou-se em Licenciatura em Ciências Sociais, no mesmo câmpus, e atualmente fez mestrado em Educação Profissional e Tecnológica, no Instituto Federal do Espírito Santo.
A história dela é de dificuldades e superações. Seus pais migraram do Maranhão para Goiás em busca de condições melhores de vida. Foram boias-frias em cafezais e o que ganhavam não dava para o sustento da família. “Faltava tudo em casa: alimentos, roupa, sapato”, conta.
Antes mesmo de começar a estudar, Julíndia e os irmãos também trabalhavam nas plantações de café. Ela foi reprovada várias vezes na escola e acabou desistindo. Casou-se, teve dois filhos e quis voltar a estudar para que a filha não tivesse que sofrer o que ela sofreu. Atualmente, além do mestrado, ela estuda para um concurso do governo do Distrito Federal.
Vontade de viver
Para Shirley Adriana Leite dos Santos, fazer o curso Técnico Integrado em Alimentos, ofertado no Câmpus Aparecida de Goiânia do IFG, foi mais que uma capacitação profissional e elevação da escolaridade. No curso ela resgatou a vontade de viver.
Shirley havia interrompido seus estudos aos 15 anos porque precisava ajudar a mãe financeiramente e estava com dificuldades de conciliar estudos e trabalho. Ela trabalhava em lanchonete em um shopping center de Goiânia e começou a ter alguns problemas de saúde, como gravidez tubária com consequente aborto espontâneo, câncer de ovário e depressão.
Concluídas as sessões de quimioterapia, Shirley continuava sob acompanhamento médico. Ela passou por sete cirurgias e não estava mais trabalhando. No ano de 2017, aos 32 anos de idade, Shirley soube do curso EJA no IFG, mas não se inscreveu por baixa autoestima; não acreditava que seria selecionada e não acreditava que conseguiria acompanhar o curso. Uma amiga fez a inscrição por Shirley, que compareceu à entrevista e foi selecionada.
Ela conta que no início teve muita dificuldade, em grande parte pelos problemas emocionais que enfrentava. “No começo do curso eu só chorava e achava que não ia conseguir continuar”, lembra. Com apoio da mãe e do marido, Shirley não desistiu e, com o passar do tempo, tudo foi melhorando. “Eu agarrei aquela oportunidade com unhas e dentes e fui uma das primeiras da turma a concluir todas as disciplinas”, lembra.
A dedicação de Shirley aos estudos e à sua própria vida a levou mais longe do que ela imaginava. Após concluir o curso em 2020, aos 35 anos, ela participou do concurso de gastronomia Mapa Goiano, no qual foi premiada com uma receita de bolo de milho. Atualmente, morando na cidade de Nova Nazaré (MT), está cursando faculdade de Gastronomia EaD e abriu sua própria panificadora.
“O IFG me abriu muitas portas. Eu tenho muito orgulho de ter estudado aí, ter me formado, ter tido sucesso depois do curso, ter aberto minha mente demais, ter mudado a minha vida. Na minha padaria eu tenho a minha foto com o emblema do IFG”, relata.
De volta para ensinar
Para voltar a estudar, o artesão Jairo Sobrinho, conhecido como Mestre Guará, mudou-se de Goiânia para a antiga capital do Estado, onde o IFG oferta o curso técnico em Artesanato, na modalidade EJA. Antes mesmo de terminar o curso, ele obteve a certificação do ensino médio e passou no vestibular para o curso de licenciatura em Artes Visuais.
Mestre Guará segue fazendo o que mais gosta e sabe, mas sua preocupação voltou-se para a educação, especialmente para o compartilhamento do saber. No último fim de semana de agosto, ele voltou ao Câmpus Cidade de Goiás, mas dessa vez para ministrar oficinas de xilogravura.
Foram quatro encontros realizados aos sábados (um em agosto e três em setembro), com a participação expressiva da comunidade estudantil. As xilogravuras confeccionadas estarão em exposição coletiva na quarta edição do Grito e Resistência do Cerrado, no dia 20 de outubro, e na Biblioteca do Câmpus, a partir de novembro.
As oficinas são resultado do projeto “Xilogravura Pura”, apresentado por Mestre Guará e selecionado por meio do Edital 19/2017 de Fomento às Artes nas Escolas, do Fundo de Arte e Cultura de Goiás.
Novos olhares enquanto mulher
Muitas mulheres optam por ter filhos e pela formação uma família, em primeiro lugar, como foi o caso da Raquel Gomes Botelho Nogueira. Ela é egressa do curso técnico EJA em Secretaria Escolar, do Câmpus Anápolis, e atualmente também é aluna do curso de Licenciatura em Ciências Sociais na mesma unidade.
Raquel foi mãe aos 18 anos e tem quatro filhos. Ficou dez anos fora da escola e voltou em 2011, por incentivo de uma vizinha que fazia o curso de formação inicial e continuada, o Mulheres Mil, ofertado à época pelo Câmpus Anápolis.
Ela escolheu o curso de Secretaria Escolar porque sempre teve interesse pela área da Educação. Passou a trabalhar como auxiliar administrativa em um colégio estadual e, quando concluir o curso de licenciatura no IFG, pretende fazer complementação pedagógica e atuar como professora.
“Eu sempre tive vontade de voltar a estudar e falava que voltaria assim que meus filhos tivessem um certo tamanho que eu pudesse deixar com alguém. O curso EJA foi muito bom, devido à interação que eu pude ter. Mudou completamente a minha percepção de vida mesmo, de visão de mundo. No IFG, eu aprendi a ter outros olhares enquanto mulher, enquanto pessoa, enquanto mãe, enquanto estudante”, destaca.
Assessoria de Comunicação do Conif
Texto: Diretoria de Comunicação Social e setores de comunicação do IFG