Egressa do IFNMG, a indígena Ytxaha Braz ainda atua na instituição por meio de seus conhecimentos ancestrais

Como parte da Semana dos Povos Indígenas, a equipe de Comunicação do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif) entrevistou Ytxaha Braz, indígena pertencente aos povos Pankararu e Pataxó. Ela nasceu no território Tupinikin, em Aracruz (ES) e, hoje, vive no Vale do Jequitinhonha (MG).


Ytxaha é artesã e também tem formação no curso de Tecnólogo em Gestão Ambiental pelo Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG) e mestrado em Sustentabilidade junto a Povos e Territórios Tradicionais (MESPT) pela Universidade de Brasília (UnB). Atualmente, a indígena é professora do Ensino Fundamental de sua aldeia e do curso de Artesã de Biojoias, do Programa Mulheres Mil no IFNMG.


“Estou trabalhando como docente e, para mim, é muito gratificante compartilhar a sabedoria e aprender também. Hoje eu consigo dar um retorno, principalmente para a minha comunidade, que luta pelo território, pelo meio ambiente”, afirmou a indígena em um dos momentos da conversa com a equipe do Conif.


Confira abaixo a íntegra da entrevista.

Conif – Você é a primeira pessoa de seu núcleo familiar a ingressar em um instituto federal?


Ytxaha – Eu e minha irmã fomos as únicas da nossa família a sair da aldeia e estudar fora. Quando a gente foi fazer o Ensino Superior, a gente ingressou no Instituto Federal do Norte de Minas Gerais. A gente fez o curso de Tecnólogo em Gestão Ambiental. E, então, fomos nós duas. Eu e minha irmã. Hoje a minha outra irmã, a caçula, também estuda no instituto. Fez Ensino Médio, fez Agroecologia. E agora está fazendo um curso de Eletricista. A juventude da minha aldeia viu também uma oportunidade de estudar lá [IFNMG] e adquirir algum curso do instituto.


Conif – Como é, para você, ter sido estudante do Instituto Federal Norte de Minas Gerais (IFNMG)?


Ytxaha – Para mim, ser estudante do instituto federal foi muito importante, porque a gente, do Vale do Jequitinhonha, quer muito ter oportunidade de estudo, que a gente vê que no passado não tinha essa oportunidade. As vezes não tinha condição, então hoje é uma condição que a gente vê que é acessível. Lógico que tem muita coisa que tem que lutar, por exemplo transporte e refeitório. Mas, só de ter um IF na região, a gente vê e fica feliz com esse desenvolvimento, uma oportunidade muito grande. A gente sente orgulho por conseguir finalizar e por ser referência também. Não precisamos sair por um tempo do território, ficamos por aqui pela região, em nossa comunidade, e isso facilitou bastante.


Conif – Como o IF colaborou com a sua vida e conhecimento? E como você colabora com o instituto?


Ytxaha – O IF colaborou muito com a minha vida no sentido de complemento de conhecimento, conhecimento científico. Eu já vim nessa trajetória de ensino que é voltada para Agroecologia, na questão ambiental também, na agricultura, de ter contato com comunidades tradicionais. Então só complementou esse conhecimento que eu tinha acesso. Conhecer outros professores, que hoje são referências, colaborou bastante com o meu aprendizado e hoje eu colaboro com o instituto.


Atualmente, eu estou trabalhando no Programa Mulheres Mil. Aqui foi selecionado para ter o curso de Artesã de Biojoias, eu sou artesã e mestra em Sustentabilidade junto a Povos e Territórios Tradicionais da Universidade de Brasília (UnB). Eu retornei para cá [Minas Gerais] e hoje estou trabalhando nesse projeto juntamente com mulheres. Estou trabalhando como docente e, para mim, é muito gratificante compartilhar a sabedoria, mas aprender também.


Hoje consigo dar esse retorno, principalmente para minha comunidade que luta pelo território, pelo meio ambiente. A região precisa muito dessa atenção nesse sentido ambiental, proteção das águas e territorial também.


E, principalmente, colaboro com a Educação, a Educação Tradicional pautada na vivência dos povos tradicionais e territórios. Eu sou professora da minha aldeia, do Ensino Fundamental, então a gente recebe muitos alunos que futuramente vão ser do IF. Eu colaboro nesse sentido de formação educacional, contando a história da região, dos povos, da importância do meio ambiente.


Conif – Você sente que a sua identidade originária, costumes e tradições são preservados e respeitados dentro do espaço do instituto?


Ytxaha – É claro que a gente sente como um desafio muito grande quando a gente sai do nosso território, da nossa aldeia, sendo a pessoa indígena. É um desafio muito grande quando a gente enfrenta todo o preconceito e racismo da sociedade. E, quando entrei para o IF, tiveram alguns desafios. Mas lá tem o NEABI, o Núcleo de Estudos Afroindígenas, e tem professores atenciosos e respeitadores que também são apoiadores das aldeias e das lutas.


A gente consegue ter essa parceria no IF e é um espaço também de valorização da história do Vale do Jequitinhonha que, por ser uma região indígena, com esse núcleo a gente consegue discutir algumas pautas. Então isso abre várias discussões para dentro da instituição e também há muitas oficinas, muita roda de conversa nesse sentido. A gente tem uma abertura para trabalhar essas questões.


Eu acho que esse é o papel do IF, colaborar com a Educação, principalmente antirracista, que é um direito nosso a gente trabalhar nas escolas e a gente vê que as comunidades, a identidade do Vale do Jequitinhonha está se fortalecendo no IF, a gente vê isso nas pinturas das paredes, nas atividades que têm lá.


Conif – Poderia compartilhar um pouco da sua trajetória no IFNMG e, se possível, destacar vivências importantes para você?


Ytxaha – Foi muito importante passar pelo IF, aprendi muita coisa, tive contato direto com o movimento estudantil, trabalhei como bolsista em projetos na área da biologia fazendo lâminas com plantas medicinais que seriam levadas para outras escolas da comunidade, fora do instituto. Fiz lâminas para laboratório com folhas de plantas medicinais para os alunos conhecerem a morfologia das plantas, então foi muito importante aprender e ter acesso a isso e compartilhar o que eu sabia das plantas medicinais, levando algumas também que estavam sendo resgatadas na minha aldeia. E foi muito importante conhecer através das rodas de conversa, com outros povos, com comunidades tradicionais que ficam em torno da região, e conhecer professores também que são engajados na pauta da Educação.


Conif – Como você aplica hoje os conhecimentos adquiridos no instituto?


Ytxaha – E a vivência na sala de aula foi muito importante também, porque a cada leitura que a gente tinha com outras experiências, a leitura que os professores traziam para as salas de aula geravam discussões interessantes, porque é um outro tipo de leitura. Isso foi importante também e hoje eu aplico esse conhecimento da minha comunidade juntamente com meu povo, dando palestras sobre como o instituto federal foi um complemento do meu aprendizado. No instituto, a gente se torna uma pessoa crítica, uma pessoa que sabe enfrentar os desafios da sociedade, que sabe ir atrás dos nossos direitos.


Conif – Como é a sua participação no Programa Mulheres Mil?


Ytxaha – Eu sou artesã desde sempre. Trabalho com sementes, fibras, madeira também. Faço colares, brincos de pena e aprendi com as mulheres da minha família. Minha família foi artesã. O artesanato foi uma forma que encontramos de sobrevivência, de busca de renda, nessa luta de território a gente teve que recomeçar, então o artesanato foi uma das coisas que ajudaram a minha família. A minha família é de Barra Velha [Bahia]. A família paterna vivia lá e vendia os artesanatos em Arraial D’ajuda, Porto Seguro, Salvador.


Eu aprendi desde nova a trabalhar com isso, a gente participa bastante de feira. Esse curso de partilha de conhecimento está sendo muito importante. E também, assim, foi uma oportunidade de me manter aqui também. Nos primeiros meses de curso, nessa etapa inicial, as mulheres vão ter aulas sobre um pouco dos direitos das mulheres, da política. Já na segunda parte, que começa em junho, vamos para a parte prática, que vão aprender a mexer com os materiais, fibra, palha, pedras, sementes. Eu vou lecionar a aula Biojoias II, que aborda mais sementes e argila também.


Eu estou muito animada, estou muito feliz de ter essa oportunidade e te entrar na sala de aula e contribuir com as mulheres e no lugar que me formei. Fiquei feliz de estar contribuindo.

Diretoria de Comunicação Conif

Texto: Marina Oliveira/Ascom

Fotos: Arquivo pessoal