Dia dos Povos Indígenas: a descolonização dos saberes passa pela educação

Os povos indígenas são os habitantes originários do território brasileiro e estavam presentes aqui antes da chegada dos europeus, no final do século XV. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) contou 1.652.876 indígenas na população brasileira, segundo dados preliminares coletados pelo Censo Demográfico 2022 e divulgados até o começo de abril. Houve um atraso e o IBGE adiou a divulgação dos dados definitivos para começo de maio. 


No Brasil, o dia dos povos indígenas é comemorado em 19 de abril. Talvez, o desuso da expressão “dia do índio” ainda cause estranheza, já que a Lei 14.402, que determina a mudança, foi promulgada recentemente, em 2022. Pode parecer apenas um nome, mas, na verdade, “povos indígenas” é muito mais amplo do que “índio” e a troca tem o objetivo de explicitar justamente a diversidade das culturas dos povos originários.

 

No mesmo ano em que números assustadores, como a morte por desnutrição de 177 indígenas yanomami - entre 2019 e 2022, vieram à tona, comemorar o “Dia dos povos indígenas” sem pensar em algo além das costelas sobressalentes das crianças yanomami, torna-se uma tarefa bastante difícil. Propomos então que a data seja usada para exaltarmos o valor da cultura indígena e para refletirmos sobre a importância de trazer para a sociedade as questões que envolvem os povos originários no Brasil contemporâneo.

 

Cultura indígena, cultura brasileira!


A cultura indígena é riquíssima e está presente no dia a dia dos brasileiros. O Brasil é um país extremamente miscigenado e pluricultural. Além da influência de povos africanos, orientais e europeus, os povos indígenas deixaram elementos importantes para a nossa cultura, sobretudo em relação aos hábitos alimentares.


A culinária nortista, por exemplo, é rica em elementos da cultura indígena, como a maniçoba e a utilização do tucupi em pratos típicos. Frutos como o caju e a acerola eram consumidos pelos indígenas, e os seus respectivos nomes tiveram origem nas línguas tupi.


Portanto, se você leitor gosta de tomar açaí, guaraná e comer uma tapioca, saiba que estas são heranças dos hábitos alimentares indígenas. E quando estiver relaxando numa rede, mais uma herança indígena, aproveite para refletir sobre o quanto aqueles que chegaram primeiro ao nosso país foram e continuam sendo desrespeitados.


Descolonizando saberes


"É importante que exista no ambiente educacional espaço de discussão sobre as questões indígenas. Os povos indígenas são verdadeiramente os primeiros habitantes do nosso país. São as pessoas que têm uma história de ligação com a nossa floresta, com a nossa terra, e que precisa ser conhecida. Há um desconhecimento sobre esses povos. Pouco ou nada temos nos nossos currículos escolares sobre a cultura indígena, para que a gente conheça os costumes, as formas de ser e estar no mundo, que se diferem bastante da forma que a maioria da população brasileira vive. Conhecer esses povos, respeitá-los e valorizá-los, é fundamental," reflete Rosana Machado, pró-reitora de Extensão do IF Sudeste MG.


Se mesmo diante de tanta riqueza, é uma imagem negativa que nos vem à cabeça no Dia dos povos indígenas,  é preciso refletir, conhecer, mobilizar, para então, valorizar. E trazer as questões indígenas para o ambiente educacional pode ser o caminho mais curto rumo a valorização desses povos:


Para Bia Possato, professora do Núcleo de Literatura do Campus Santos Dumont e presidente do NEABI de lá, dar espaço para discutir as questões indígenas no ambiente educativo é uma questão de direito, de igualdade, de reconhecimento, de preservação da natureza e de conservação da cultura dos povos que são originários:  "Infelizmente, os povos indígenas foram subjugados ao longo da história e seu extermínio continua acontecendo paulatinamente, a partir de políticas neoliberais que tentam aniquilar suas culturas, seus saberes, seus modos de vida, facilitando a invasão de suas terras e a contaminação de suas águas. O que vemos são políticas que visam muito mais o desenvolvimento nada sustentável, o 'progresso', do que o que nos constitui como seres humanos", afirma Bia.


A professora alerta que, apesar de toda a riqueza cultural, os indígenas foram e continuam sendo desrespeitados no nosso país. Para ela, mudar esta realidade passa necessariamente pela descolonização dos saberes:


"Os povos indígenas, em toda sua diversidade, com toda sua riqueza cultural e preservação ambiental de seus territórios, foram, ao longo dos anos, mais do que desprotegidos legalmente, foram explorados, e houve uma tentativa clara de indigenocidio. Apesar de tantas reivindicações e lutas, os povos indígenas permaneceram à margem da sociedade, pois a tentativa do projeto neoliberal sempre foi da aculturação colonizadora. O desconhecimento dos não indígenas sobre os modos de vida, culturas, crenças, saberes dos povos indígenas colabora para que esse extermínio continue acontecendo, pois perpetua a imagem de um indígena do passado, quiçá que nunca tenha existido, ligado ao selvagem, ao exótico e muitas vezes, ao ignorante que trocou suas terras por um espelho (imagem que é continuamente reproduzida nas escolas)", reflete a docente.


Nesse sentido, a educação tem o papel fundamental de descolonizar os saberes e trazer ao debate as resistências e lutas dos povos indígenas nos dias atuais, bem como todas as potencialidades de suas culturas e saberes. Vemos ao longo dos anos as imagens estereotipadas que os não indígenas carregam dos povos indígenas, frutos do pensamento colonial que sempre os inferiorizou, e, segundo Bia, nas instituições educativas não poderia ser diferente:


"Por esse motivo, é de extrema importância que haja espaços de debate no IF Sudeste MG, promovidos pelos NEABIs ou não, que tratem das existências, das resistências, das lutas históricas e dos modos de vida dos povos indígenas, entre outros, preferencialmente a partir de suas próprias narrativas. Essas discussões devem fazer parte do currículo. Apenas trabalhar a história dos povos indígenas, com uma imagem congelada do passado, não irá contribuir para que tenhamos uma sociedade mais equânime e inclusiva. Para isso é necessário que a educação se descolonize e passe a valorizar os saberes milenares de nossos povos originários. Embora haja muitos autores indígenas que têm produzido uma material riquíssimo, esses saberes normalmente são orais e, portanto, é muito mais interessante obtê-los por meio das narrativas dos próprios indígenas. Por esse motivo, é importante se ampliem os espaços que possibilitem as narrativas dos próprios indígenas. Espaços que possam favorecer o debate, a quebra de paradigmas e romper com a invisibilidade que sempre foram submetidos", propõe Beatris.


No IF Sudeste MG, os que chegaram primeiro têm espaço garantido


O NEABI, Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas, está presente em todos os campi do IF Sudeste MG. Mas, adverte Rosana Machado, nem sempre as pessoas envolvidas têm a formação e o diálogo com as comunidades indígenas sufucientes para que isso possa ocorrer: "Então, nós temos o espaço institucional para que isso possa ocorrer e precisamos cada vez mais fortalecer as ações de intercâmbio e diálogo com os povos indígenas em todos os campi", afirma a pró-reitora de Extensão.


A professora Beatris Possato conta como vem trabalhando na tentativa de estabelecer tais diálogos. Segundo ela, por acreditar que as narrativas indígenas deveriam ser divulgadas e que deveríamos dar visibilidade às vozes que foram silenciadas por muito tempo, em 2019, ela desenvolveu, junto com o professor Helton Nonato Souza, dentro do Projeto de Ensino e Extensão (R)Existências, a Jornada Kariri-xocó, em que trouxeram para o Campus Santos Dumont o grupo Sabuká, do interior de Alagoas. Nesta jornada, os integrantes Pawana, Kajaby, Kayã e Kaony, apresentaram seus torés (danças e cantos sagrados), suas narrativas, seus artesanatos, esclareceram dúvidas e fizeram várias atividades com a população sandumonense.


Em 2020, junto com colegas de outras universidades e representantes indígenas, a professora desevolveu o projeto “Encontros: diversidade indígena e desafios contemporâneos” e promoveram a live “Povos indígenas e os enfrentamentos na pandemia” com representantes das etnias Xavante, Pataxó, Tukano e Kraô: "Na oportunidade, tive o prazer de compartilhar a mediação da live com o grande indigenista Emerson Guerra", lembra ela.


Beatris relata que submeteu em 2022 um projeto para fazer a "Segunda Jornada Kariri-xocó", desta vez para todos os campi. Porém, devido aos cortes orçamentários, o projeto não pôde ser efetivado: "Espero ter nova oportunidade de concluir esse projeto esse ano", afirma.


Outro que se dedica às questões indígenas é o professor do Núcleo de História do Campus Juiz de Fora, Luís Eduardo Oliveira. O docente relata que desde seu ingresso no Campus, em 2013, vem coordenando ações de extensão no campo da educação das relações étnico-raciais, em plena sintonia com a leis federais n.º 10.639/2003 e nº 11.645/2008, que instituíram no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena".


Nos anos-letivos de 2021 e 2022, Luís Eduardo coordenou equipes de bolsistas e colaboradores externos que desenvolveram ações no âmbito dos projetos de extensão “Cultura e Consciência Afro-brasileira e Indígena na sala de aula e para a vida” e “História, cultura e mobilizações indígenas na sala de aula”, que contaram com recursos do PIAEX / IF Sudeste MG. Nesse mesmo período, em parceria com o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), o professor realizou duas edições do curso de extensão on-line “Cultura e mobilizações indígenas na sala de aula”, que propiciaram aos participantes importantes reflexões sobre a presença determinante dos povos indígenas na formação social brasileira e a respeito das reivindicações e mobilizações que esses povos originários sustentam no tempo presente. Destinado prioritariamente à professores e professoras de escolas públicas e particulares de Juiz de Fora e outras regiões, esse curso contou também com expressiva participação de estudantes de graduação e pós-graduação e de ativistas sociais interessados na temática, que por meio de atividades síncronas e assíncronas, puderam tomar contato com as ideias e experiências de lideranças e intelectuais indígenas - como a bióloga Cleonice Pankararu, o jornalista Douglas Krenak e os professores Edson Kayapó e Mirian Potiguara – e de pesquisadores de instituições como a UFRJ, a PUC-Minas, a UFAL, a UFES, a UFCG, a UFSB, o IFMG, o IFBA e a UFT. Todas as palestras desse curso encontram-se disponíveis no canal no Youtube dos projetos mencionados, cujo endereço é https://www.youtube.com/@historiaeculturaafro-brasi1484/featured.


Descontruindo contradições


"VI Encontro de Relaçoes Raciais e Sociedade (ERAS): Sentidos do aquilombar-se: diálogos, andanças, território e construção de palavras germinantes"

No caminho para descontruir estereótipos e relações de opressão construídas ao longo da história, o IF Sudeste MG aposta na produção de conhecimento e, com esse objetivo, vai promover o "VI Encontro de Relaçoes Raciais e Sociedade (ERAS): Sentidos do aquilombar-se: diálogos, andanças, território e construção de palavras germinantes".


A sexta edição do Encontro de Relações Raciais e Sociedade (ERAS) propõe o debate das temáticas que interseccionam educação, pesquisa, gênero, raça, classe, políticas públicas e lutas pelo território que configuraram os Quilombos e as comunidades quilombolas no Brasil. O objetivo deste encontro é contribuir para a construção e troca de saberes e experiências numa perspectiva de romper com um imaginário socialmente construído sobre estes atores e suas comunidades.


O VI ERAS reconhece a necessidade vital da superação das contradições que estão postas, das concepções que inferiorizam os saberes tradicionais dos povos negros populares e do descaso com as terras quilombolas sem demarcação. Por isso, coloca em cena outros sujeitos, outros saberes e “outras pedagogias” de ações coletivas. Com realização prevista para os dias 26 e 27 de abril de 2023, o evento contará com diversas atividades e parcerias, no IF Sudeste MG - Campus São João del-Rei e em outros espaços. A programação já está disponível. 


VII Encontro Nacional de NEAB, NEABI e grupos correlatos da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica


Com o tema A Rede Federal na Encruzilhada: entre resistências e reconstruções”, o IF Sudeste MG sediará, no Campus São João del-Rei, o VII Encontro Nacional de NEAB, NEABI e grupos correlatos da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica que será realizado nos dia 14 a 16 de setembro de 2023. A programação ainda está sendo definida.

A Comissão Organizadora tem como presidente a Pró-reitora de Extensão, Professora Rosana Machado, primeira pró-reitora negra da instituição e é formada por mais de 40 servidores de institutos federais de diversas partes do país.


“Precisamos reconhecer o importante papel que esses núcleos de estudos afro-brasileiros e indígenas ( NEABs e NEABIs) tem dentro da Rede Federal. Fazemos parte de bancas de heteroidentificação, que dão acesso e direito às vagas por cotas raciais, promovemos projetos de Ensino, Pesquisa e Extensão e ainda ações que visam combater o racismo institucional no ambiente escolar. Sediar esse evento nacional aqui será uma importante missão”, afirma a Pró-reitora.


Para fazer a submissão das atividades, os proponentes devem acessar o site: https://www.even3.com.br/enneabi_eras2023/ 


Assessoria de Comunicação do Conif

Texto: Ascom IF Sudeste MG

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