Quem nunca pensou em comer insetos talvez tenha que começar a ser acostumar com a ideia. Eles são abundantes, sua produção para consumo como alimento tem baixo impacto ambiental e, em geral, eles têm mais proteínas que as carnes que costumamos comer (bovina, suína, de aves, entre outras). Isso os torna uma boa opção de nutrição para um planeta que terá, pelas projeções, quase 10 bilhões de pessoas em 2050.
O uso de insetos como alimento foi abordado em um evento nesta quarta-feira, 16 de outubro, na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT) do Câmpus Florianópolis-Continente do IFSC. A oficina “Mostra de Smørrebrød: os clássicos sanduíches abertos dinamarqueses com pancs e insetos dos biomas brasileiros”, de caráter teórico, foi ministrada pelas professoras do câmpus Emanoelle Nazareth Fogaça Marcos e Nicole Pelaez e pela gastróloga (formada em Gastronomia) e pesquisadora independente (não vinculada a uma instituição acadêmica) sobre antropoentomofagia Ana Paula Gelezoglo.
Antes de continuarmos com o texto, cabem algumas explicações. “Smørrebrød” é um sanduíche de origem dinamarquesa feito com uma fatia de pão coberta com diversos tipo de recheio, como patê de fígado de porco, saladas, queijo, carnes e o que mais for do gosto do freguês. “Pancs” são as plantas alimentícias não convencionais - ou seja, plantas que podem ser consumidas como alimento mas não são tão comuns no cotidiano por não fazerem parte de uma cadeia produtiva já estabelecida (não são facilmente encontradas em mercados, por exemplo). Por fim, a antropoentomofagia é o estudo do consumo de insetos por seres humanos.
Insetos como alimento
Técnica em Nutrição e Dietética pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), gastróloga pela Faculdade Hotec e especialista em Desenvolvimento de Novos Produtos Alimentícios para Indústria pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Ana Paula Gelezoglo falou por videoconferência sobre o contexto que leva os insetos a serem vistos como uma fonte viável de nutrição.
De acordo com um relatório das Nações Unidas, a população mundial deve chegar a 9,7 bilhões de pessoas em 2050 (hoje somos pouco mais de 8 bilhões) e produzir alimentos para toda essa gente sem impactar ainda mais o meio ambiente será um grande desafio.
Os insetos aparecem como uma alternativa viável por demandarem menos recursos naturais na sua produção. Os dados apresentados por Ana Paula indicam que eles precisam de bem menos ração, água e terras para serem produzidos do que o gado bovino, além de emitirem menos gases causadores do efeito estufa - a criação de bovinos gera quantidade de gases 15 vezes maior que a produção de grilos, por exemplo, quando comparadas as quantidades de animais necessárias para gerar o mesmo número de calorias.
Os insetos também consomem, de acordo com os números trazidos pela pesquisadora, aproximadamente 10% da quantidade de ração necessária para manter bois e vacas e podem ser criados em espaços bem menores que os utilizados pela pecuária (que, em geral, usa grandes extensões de terra).
Além dessas vantagens, os insetos são bastante numerosos, variados - cerca de 70% dos seres vivos conhecidos são desse grupo -, abrangentes (existem em quase todos os ecossistemas) e reproduzem-se rapidamente. E, por fim, são bastante nutritivos. O tenébrio, um tipo de besouro, possui mais que o dobro de proteínas que a carne bovina.
Nunca te vi, sempre te consumi
Ana Paula usou tenébrios no seu trabalho de conclusão de curso de pós-graduação, ao produzir um bolo de chocolate usando, entre os ingredientes, uma farinha feita com o inseto. Durante a oficina, para diminuir a estranheza que o consumo de insetos pode causar, ela mostrou outros exemplos de animais e alimentos considerados exóticos consumidos mundo afora, como aranhas fritas no Camboja, o escargot (um tipo de caracol) na França e o balut (ovo de pato cozido com um embrião parcialmente desenvolvido dentro dele) nas Filipinas, que podem parecer estranhos para culturas diferentes, mas são fonte de nutrição para diversos povos. Aliás, na história da evolução humana, há registro de consumo de insetos pelos nossos ancestrais hominídeos.
E hoje em dia todos nós às vezes comemos insetos e nem sabemos. Em produtos como chá, café, chocolate, temperos e molho de tomate, os órgãos reguladores permitem que haja certa quantidade (muito pequena) de fragmentos de insetos que podem se misturar às matérias-primas durante o processo de produção.
Já quem gosta de alimentos industrializados de cores como laranja, roxo, rosa ou vermelho (como os de sabor morango) pode estar consumindo o corante carmim, que é extraído de cochonilhas, inseto de origem latino-americana. E todo mundo que aprecia mel está se alimentando de algo feito por abelhas, cujo processo de produção na colmeia inclui os insetos regurgitarem o néctar das flores para retirar a umidade dele.
Para Ana Paula, a gastronomia vai ter um papel importante na popularização dos insetos como fonte de alimento. “A gastronomia é essencial para a indústria. A gente [gastrólogos] conhece de sabores, e a gastronomia vai ajudar a indústria a desenvolver sabores e esses produtos à base de insetos”, comentou.
O avanço na regulação dos insetos como alimento pelos órgãos competentes é outro desafio para os próximos anos, para que haja confiabilidade nos produtos. Em outros continentes, inclusive na Europa e América de Norte, ja há produtos industrializados que levam insetos em sua fórmula.
Iniciativa premiada na Dinamarca
Uma iniciativa ligada à gastronomia que envolveu a elaboração de pratos refinados com insetos e outros seres vivos que muitos chamariam de “exóticos” (águas-vivas, pepino-do-mar, plâncton, entre outros) ocorreu em Copenhague, capital da Dinamarca, com a criação do restaurante Noma em 2004. O estabelecimento especializou-se em criar pratos inovadores com matérias-primas sazonais (“da estação”) e comuns no norte da Europa. O cardápio do local muda conforme a época do ano e a disponibilidade natural dos produtos.
O Noma chegou a ser eleito cinco vezes o melhor restaurante do mundo na premiação The World’s 50 Best Restaurants ("Os 50 Melhores Restaurantes do Mundo", em português), compilada a partir dos votos de um grupo de 1.080 especialistas gastronômicos espalhados pelo mundo.
A criação do Noma ocorreu na esteira do movimento “Nova Cozinha Nórdica”, surgido no início dos anos 2000 na Dinamarca, na Noruega e na Suécia. Esse movimento teve objetivos como os de diminuir o consumo de carne e aumentar o de vegetais e de alimentos originários dos mares e da natureza da região, tudo isso respeitando a sazonalidade. “Foi um novo olhar dentro da alimentação”, destacou a professora Nicole Pelaez, do IFSC.
A professora Emanoelle Marcos morou por 3 anos na Dinamarca e estudou esse movimento. Na oficina, ela abordou os hábitos de alimentação dinamarqueses e as dificuldades que o clima frio e a geografia do país trazem, com pouca disponibilidade de terras para agricultura e baixa variedade de vegetais. As técnicas de conservação de alimentos - conservas, defumação, fermentação - acabaram sendo bastante desenvolvidas no país. E um dos alimentos nos quais os dinamarqueses conseguiram se destacar foram os pães, como o Smørrebrød, consumido em almoços ou festas.
Quem se interessou pelo tema terá a chance de participar de uma oficina prática de produção de Smørrebrød com pancs e insetos em 27 de novembro, quando o Câmpus Florianópolis-Continente realizará uma segunda etapa da SNCT, desta vez aberta à comunidade externa (a primeira, que termina nesta quinta, 17, é apenas para estudantes e servidores do câmpus). As inscrições, quando abertas, serão divulgadas no site e nas redes sociais do câmpus (acompanhe no Facebook e no Instagram).
As atividades têm relação com o tema da SNCT em 2024, que é “Biomas do Brasil: diversidade, saberes e tecnologias sociais”. A SNCT do Câmpus Florianópolis-Continente tem fomento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Diretoria de Comunicação do Conif
Texto: Felipe Silva/Jornalista do IFSC
Foto: Arquivo IFSC